A minha conclusão sobre Pedrogão Grande e Castanheira de Pêra




A minha conclusão sobre Pedrogão Grande e Castanheira de Pêra
Começo por elogiar o trabalho dos bombeiros, elementos da ANPC, GNR, Forças Armadas, e de todos os demais agentes de proteção civil, entidades com especial dever de cooperação em proteção civil, bem como todos os voluntários envolvidos, sem esquecer a população.
Não podemos esquecer que a proteção civil começa na população, nem que ao longo de décadas pouco, muito pouco tem sido feito para sensibilizar a população nesse sentido. Estou certo de que todos deram o seu melhor, embora por vezes o seu melhor não seja suficiente face à exigência e adversidades da situação. Não podemos apenas culpas as estruturas nacionais sem avaliar a (ir)responsabilidade das autarquias, e das próprias populações.


RESPONSABILIDADE EM PROTEÇÃO CIVIL
1. Encontrei casas e aldeias destruídas, muitas delas repletas de santos que não os salvaram. E encontrei uma aldeia de ingleses, sem santos, mas com bocas de incêndio, extintores, uma significativa faixa de contenção à volta da propriedade, em que nenhuma casa ardeu. Ouvi desabafos de alguém que teve capacidade económica para ir a Fátima ver o papa, mas que não teve recursos económicos para mandar limpar o mato e cortar árvores em redor das casas, ou instalar um sistema de combate a incêndios. Não somos seguramente um povo com cultura de segurança, temos claramente uma inversão de prioridades nas nossas vidas.
2. Como é possível que Castanheira de Pera e Pedrogão Grande não tenham os planos de defesa da floresta aprovados? Como é possível que não tenha sido ativado o PMEPC? Onde está a responsabilidade autárquica em tudo isto?
3. Enquanto existirem "quintas" e por exemplo se ativarem corporações do extremo oposto da quinta para não ativar os meios da quinta vizinha que está mesmo ali ao lado, arderá sempre mais do que poderia arder. Não faz sentido que se ative a Nazaré antes de ativar outros mais próximos, só porque já não pertencem ao mesmo distrito.
4. Seria interessante alguém investigar o que é, como funciona, e quais as competências instaladas, e avaliação do trabalho desenvolvido no SMPC de Pedrogão Grande, e já agora em todos os outros municípios do país, aparentemente uma falácia QUASE total e QUASE transversal, aparentemente em muitos casos com pseudo técnicos, que privilegia essencialmente ligações políticas e de amizade em detrimento de competências efetivas.
Há concelhos que nem sequer têm constituída a Comissão Municipal de Proteção Civil, ou que não funciona, e / ou onde não têm lugar aqueles que querem dar o seu contributo, importa que a CMPC deixe de ser algo facultativo e passe a ser obrigatória, bem como a inclusão de todas as entidades que possam concorrer para fins de proteção civil, pelo que aqui faço um apelo ao Governo nesse sentido.
5. Seria interessante alguém tentar perceber porque têm alguns SMPC uma rede rádio municipal de proteção civil e outros não.
6. Considero que o Sistema de Gestão Operacional (SGO) não tem de ser dos bombeiros, mas sim transversal a todos os agentes de proteção civil e entidades com especial dever de cooperação, este é claramente um assunto que merece atenção.
7. Creio que está por explicar o fenómeno natural ou antrópico que "difundiu" o incêndio por tantas frentes de fogo em tão curto espaço de tempo e a distancias tão consideráveis e sobre isto não quero especular.
8. Teria sido importante e mais económico colocar logo na primeira hora helicópteros de observação no ar, ou drones, para observação do desenvolvimento da situação e interdição das vias em que houvesse risco para a circulação. Os meios existem, não compreendo porque não foram usados, a menos que o nível local não os tenha ativado para o teatro de operações, pois nestes cenários não há olhos que em terra vejam tanto como do ar. Mas sei também que é mais fácil ver e lembrar quando se está de fora, porque se tem uma visão diferente e tempo para raciocinar.

COMUNICAÇÕES
9. É minha plena convicção de que os dois sites móveis da ANPC apresentados em 20 de Janeiro de 2016 estavam e estão operacionais, eventualmente ninguém se lembrou dos ativar para o teatro de operações em Pedrogão Grande.
10. As antenas em uso nos rádios portáteis SIRESP em meio urbano já são inadequadas face à insuficiência de TBS (Tetra Base Station ou seja retransmissores ou a que vulgarmente chamam antenas retransmissoras), quanto mais em meio florestal onde deveriam usar antenas de 1/4 de onda completo, e não helicoidal.
11. As antenas das viaturas são inadequadas para meio florestal, onde deveriam estar a usar antenas de 5/8 de onda, face à insuficiência de cobertura da rede. Observa-se ainda que em inúmeros casos as antenas estão instaladas em locais incorretos nas viaturas.
12. Nas bases observamos antenas económicas, por vezes até interiores, que impossibilitam o contacto a maior distancia em modo local DMO (Direct Mode Operate) quando ardem, são interrompidas, ou são furtadas as linhas de dados. Isto não é admissível numa rede de emergência.
13. Aparentemente há inúmeras TBS que por falta de manutenção quer dos andares de potência de radiofrequência, quer dos recetores, com potência de emissão e sensibilidade de receção abaixo do projetado, o que reduz ainda mais a cobertura, e consequentemente o alcance das comunicações.
14. A cobertura da estação móvel deslocada para o local no domingo de manhã era inferior a 1/3 das necessidades face à extensão dos teatros de operações.
15. Existem na GNR duas viaturas que poderiam ter sido um contributo importante na ligação operacional ao posto de comando, especialmente pelo facto de possuírem link móvel entre SIRESP e VHF Banda Alta, contudo não foram mobilizadas para o terreno, eventualmente por esquecimento.
16. A falta de rádios portáteis de VHF Banda Alta, eventualmente devido a falta de manutenção devida à moda do SIRESP, impossibilitou parcialmente que usassem em toda a sua plenitude como rede redundante os repetidores de VHF Banda Alta que se considerar-mos o B-Lousã, B-Candeeiros, e B-Estrela, asseguravam a comunicação em quase 100% dos teatros de operações. Mas podiam ter usado mais os rádios de VHF banda alta das viaturas, o que não aconteceu eventualmente devido à desabituação causada pelo uso do SIRESP.
17. O posto de comando possui rádio de HF que possibilitaria com uma das viaturas do RSB-Lisboa assegurar pelo menos uma Equipa de Reconhecimento e Avaliação de Situação de toda a área com garantia de cobertura total ou quase total, mas tal não aconteceu porque quer do lado da ANPC quer do lado do RSB não existia no local ninguém capaz de operar com aqueles equipamentos. Refira-se que existem muitos daqueles equipamentos de HF na ANPC, GNR, e RSB, muitos dos quais nunca foram usados e provavelmente "morrerão" sem alguma vez terem sido usados, por falta de formação de operação.
18. Por exemplo, no quartel sede do GIPS na Ameixoeira em Lisboa, há cerca de 5 anos a antena de HF partiu-se, e ainda hoje está para ser substituída. Numa sub-unidade do GIPS na zona de Porto de Mós - Leiria, o rádio de HF nunca funcionou porque faltam componentes.
19. Uma das viaturas de comunicações do GIPS somente foi usada em exposições, pois por deficiência de instalação, ou caducidade dos cartões de telefone de satélite, aquele meio não está operacional.
20. A ANPC tem repetidores móveis de VHF, pelo menos um que chegou a ser usado em exercícios simulando avaria do repetidor local. Este equipamento deveria existir em pelo menos 18 viaturas todo o terreno em Portugal continental, ou em alternativa ser colocado em helicópteros para assegurar as comunicações, mas as tais 18 viaturas não existem, e nunca ocorreu a alguém na estrutura colocar o repetidor no ar suportado por um helicóptero.
No tempo em que se usava o VHF banda baixa nos bombeiros e Cruz Vermelha havia viaturas com repetidores móveis e havia sempre comunicações, mas aqui a ANACOM tem uma quota parte de responsabilidade, porque não licencia repetidores móveis.
21. A CRUZ VERMELHA não aderiu à moda do VHF Banda Alta, e nem ao SIRESP, e tem por isso a melhor rede de comunicações de emergência do país, contudo prestes a ser também desmantelada porque devido ao reduzido numero de utilizadores de banda baixa, o mercado já quase não disponibiliza este tipo de equipamentos, o que gerou inclusive situações de monopólio do negócio com casos de aparente corrupção dentro da própria instituição.
22. O atual Secretário de Estado da Administração Interna, quando ainda era seu adjunto o atual presidente da ANPC, na sequência de uma reunião havida com a associação a que presido, acautelaram e muito bem a existência de rádios de VHF de Banda Alta em todos os veículos de combate a incêndios, pois incluíram essa obrigatoriedade no diploma que regula a tipificação desse tipo de veículos, contudo por exemplo o RSB-Lisboa não cumpre.
23. Ao longo dos últimos 12 anos eu próprio em reunião com representantes dos diversos grupos parlamentares da assembleia da republica, alertei para as vulnerabilidades do SIRESP, mas todos sem exceção me ignoraram e optaram por confiar no operador. Cheguei mesmo a alertar pessoalmente o chefe de Gabinete do SEAI do anterior Governo, e o atual SEAI, este último foi o único que teve alguma iniciativa.
24. A formação em comunicações de emergência e catástrofe não existe, somente formação para comunicações quotidiana, ministrada por quem mal sabe para si. Os especialistas de comunicações de emergência e catástrofe são deixados à margem, pois os lugares são geralmente ocupados em muitos casos por licenciados em telecomunicações, mas que não fazem a menor ideia do que são as necessidades efetivas da emergência ou de um cenário de catástrofe face aos que a tecnologia e os mercados disponibilizam, por vezes até soluções muitíssimo mais económicas e fiáveis do que as adotadas.
25. Toda a estrutura de comunicações de segurança, emergência, e até de defesa está desadequada da realidade, há por exemplo na defesa pelo menos uma força que usa rádios de amador para uso profissional militar, tendo sido ludibriados com a norma Mil STD810, também aqui existiam rumores de casos de promiscuidade entre certa empresa e certo ramo das forças armadas, recentemente alvo de descobertas similares.
26. O SIRESP tal como está instalado serve apenas para redes de transporte de mercadorias, nunca para segurança, emergência, e muito menos para acidentes graves ou catástrofe por falta de fiabilidade da ligação entre TBS e alimentação elétrica, bem como pela limitação do número de canais disponíveis. O SIRESP é hoje menos fiável do que a rede de telemóveis que em muitos casos já tem feixes hertzianos entre BTS´s.
27. Estranho muito que ninguém co-responsabilize a ANACOM pelo estado atual da rede SIRESP. Recordo-me de que ainda há poucos anos quando reuni com a Sr.ª Diretora de Gestão de Espectro, me fora sugerido que a associação que eu então presidia (o Conselho Português de Proteção Civil) aderisse ao SIRESP, ao que respondi que nunca enquanto eu presidisse o CPPC tal aconteceria, e enumerei as vulnerabilidades aberrantes do sistema em causa, criticando a inercia e ignorância daquele instituto ao compactuar com a situação real.
28. Não creio que o sistema nacional de proteção civil resolva o seu problema de comunicações com a prata da casa deixando de fora os melhores especialistas no assunto. Um destes especialistas, em minha opinião o melhor dos melhores, até é do distrito de Leiria, mas visto como um louco porque não tem uma licenciatura e anda com carros cheios de antenas, o João Plácido é nas comunicações de emergência e catástrofe uma espécie de Professor Xavier Viegas no estudo do fogo e dos incêndios, mas ignorado porque não veste fato e gravata.
29. Considero um erro crasso que exista uma rede operacional de Bombeiros e não uma rede operacional de proteção e socorro, transversal a todos os intervenientes na proteção e socorro. A hierarquização das comunicações faz-se com disciplina que só pode resultar da formação transversal a todos, e não de barreiras que custam vidas, tais como a falta de comunicação entre diferentes entidades em tempo útil, enquanto assim for continuaram a ferir-se ou morrer inevitavelmente operacionais no terreno.
30. O SIRESP não falhou apenas em Pedrogão Grande, falha todos os dias em todo o país por cobertura muito aquém do publicitado. Falhou em Fátima aquando da visita do Papa, mas o assunto foi abafado.
31. Muitos foram os operacionais que recorreram ao telemóvel onde não havia SIRESP e havia rede GSM. Isto acontece quotidianamente nas forças de segurança, bombeiros, e INEM, o que faz com que grande parte do tráfego de emergência e socorro passe por telemóvel, a questão que se coloca é, e se os operacionais por um dia deixassem o telemóvel em casa? Ou e se um dia houver um "apagão" nas redes de telemóvel?
32. Imagine-se isto em caso de SISMO precedido de Tsunami em Lisboa, nenhum dos principais agentes de proteção civil possui uma rede alternativa ao SIRESP, estas tem vindo a ser desmanteladas, como gerirá por exemplo o INEM, a PSP, ou a GNR os seus meios de socorro?

Não tenho o desejo de apontar o dedo a quem quer que seja, mas sim de despertar a consciência de tantos quantos possível.

A proteção civil não é o que somos, é o que fazemos.
Nenhuma entidade ou serviço é proteção civil se nada de proteção civil fizer.
Nenhuma entidade faz algo em proteção civil, a entidade é somente um nome, quem faz, se o fizer, são pessoas, eventualmente apoiadas por equipamentos e, são de facto muito poucas as pessoas que fazem proteção civil. A proteção civil é uma atividade desenvolvida pelo Estado, e o estado é um território de fronteiras internacionalmente reconhecidas e aceites, o seu povo, e um governo por si democraticamente eleito, logo o artigo 1º da Lei de Bases de Proteção Civil já é em minha mera opinião um perfeito despautério.

Andamos agora a discutir aquilo para que alerto há mais de 10 anos e foi ignorado, um dia estaremos a discutir aqui os meus alertas sobre a difusão celular, que estão a ser ignorados.


Digo eu, que não percebo nada disto!

Comentários

  1. Tirando a parte das comunicações, o que relata é exactamente o que foi falado pelas entidades representativas dos bombeiros na passada terça dia 4 na comissao parlamentar da floresta, tal e qual! As falhas nas comunicações são de facto um obstáculo à operacionalidade mas desviam a atenção para factores mais graves e concretos que se passaram, porque efectivamente não se sabe as causas diretas das falhas nas comunicações

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